sábado, 8 de julho de 2017

A geração que é cheia de contatinhos, mas que não tem contato com ninguém


Olá para você que está lendo esse texto. Olá para você que veio aqui porque já acompanha o blog. Olá para você que surgiu aqui do nada. Olá! 

Para quantas pessoas eu dei o meu olá? Para muitas. Para quantas pessoas eu dei olá pessoalmente hoje? Para uma. 

Acho que é mal de escritor ficar observando tudo a volta. As pessoas, as situações, os sons... e tudo o que nos rodeia. Metade das observações que fazemos não dá em nada, é verdade. Mas algumas dão. E é sobre uma coisa que venho observando há um certo tempo que vou falar. 

Dia desses, estava eu, com um amigo, quando eu vejo que ele começou a selecionar as conversas no whattsapp. Curiosa que sou, fiquei observando aquilo. Selecionou a conversa da Ana, da Paula, da Bianca, da Camila... e até então eu não tinha percebido o que as conversas tinham em comum... e ele continuou selecionando. Selecionou a conversa com a Lara, com a Maria... a conversa com o Pedro ele não selecionou, com o João também não... mas selecionou a conversa com a Denise, com a Débora e com a Patrícia. Então apagou todas essas que estavam selecionadas. E foi só aí (anta que sou) que entendi o que ele estava fazendo. Apagando as conversas dos seus contatinhos. Talvez no dia seguinte ele fosse encontrar um daqueles contatos e não queria que ela soubesse que não era a única. Ou talvez apenas apagou porque aquelas conversas não significavam nada para ele. E eu definitivamente, não sei qual das opções é a pior. 

Metida e escritora que sou, pedi explicação da situação. "Ah, eu converso com as minas né. Trovo elas." 

Looooooooonge de mim criticar a atitude do meu amigo. Longe de mim, criticar a atitude de qualquer pessoa. Mas aquilo tudo ficou martelando na minha cabeça por dias sem fim. 

Quantas daquelas pessoas ele realmente conhecia? A Ana, talvez? É, na Ana ele deu um beijo. Mas um beijo revela muita coisa? Hum... E a Patrícia? Ah, sim. A Patrícia ele conheceu numa festa. Nunca ficaram, mas trocaram telefones. E tem claro, a Camila. Quem é Camila mesmo? Lembrei, lembrei. É uma moça que ele conheceu pelo facebook. Nunca viu ao vivo, mas conversam de vez em quando. 

Quais daquelas garotas ele realmente tinha contato? Cheio dos contatinhos, mas sem contato com ninguém. Talvez seja nesse ponto que chegamos. Quantas daquelas ele poderia chamar para conversar pessoalmente? Trocar alguma saliva? Fazer algum barulho? Talvez todas. É, pode ser. Mas com qual delas ele poderia contar caso precisasse? Para qual ligaria se precisasse de um favor? Para quem ele pediria o ombro se precisasse desabar? Cheio de contatinhos, mas sem o contato de ninguém. 

Eu sempre fui uma pessoa que me envolvi muito fácil. E por envolver, não estou falando, em querer namorar. Estou falando em se envolver com a pessoa, de querer conhecer, de querer saber sobre ela, sobre quem era a pessoa que estava ali, do meu lado. E não tem nada de romântico nisso. Ou talvez tenha, mas não é o propósito. Mas eu gosto de conhecer as pessoas de verdade. Talvez por causa da profissão, pode ser. Mas mais do que isso.

É estranho para mim, a visão de tantas pessoas "conversando" sem realmente conversar. Trocando diálogos monossilábicos, trocando fotos, mas sem trocar ideias. Sem discutir sobre a teoria da criação do universo, sobre qual é a melhor DC ou Marvel, sobre quem ganhará o Brasileirão. É impensável para mim, ter uma lista de contatos que eu sei apenas o nome. Não posso conversar com uma pessoa sem saber se ela prefere cerveja ou vinho, churrasco ou lasanha. Impensável pra mim, conversar com alguém sem saber se essa pessoa acha que foi golpe ou não, se votaria em Lula, Bolsonaro ou se fugiria do país, se é a favor ou contra o aborto. 

Mas a lista... aquela lista de contatos que não sai da minha cabeça. Aquela lista de conversas que foi apagada assim, sem pensar. Logo na minha frente, que releio as conversas e ouço os áudios tantas vezes sem parar. Aquela lista de contatos que poderia ser apagada do celular. E da memória também. Não há ninguém ali realmente importante. São apenas números. Não há sequer um daqueles números que ele saiba de cor. Sabe o número dos amigos, dos pais, do lanche da esquina, mas não sabe o número de nenhum dos contatinhos. 

A geração que é cheia dos contatinhos, mas não tem contato com ninguém é a geração que tem medo de se envolver. E vejam bem que eu nem disse medo de compromisso. Disse medo de se envolver, o que são coisas bem diferentes. Dá pra ter envolvimento sem compromisso. Sem mudar status. Sem cobranças. Dá pra ter envolvimento com mais de uma pessoa. Dá pra ser casual, sem ser impessoal.

Mas é um medo tão grande de se envolver que as pessoas se cercam de regras. Não pode ligar no dia seguinte, não pode mandar mensagem de bom dia, não pode dormir de conchinha, não pode tomar banho juntos, não pode ir no cinema, nada de andar de mãos dadas. Criam um círculo de proteção. Mas proteção do quê? 

Não que a gente deva ligar para todo mundo no dia seguinte. Ainda mais se aquele orgasmo foi puro fingimento. Mas se conhecer a pessoa foi bacana, porque deuses, a gente deveria apenas deixá-la ali, naquela lista de contatinhos? Por que é que não podemos marcar um próximo encontro? Por que é que não podemos conversar além de bom dia/boa tarde/boa noite? 

E não, isso não significa que devemos namorar com a pessoa. Apenas se ambos quiserem, daí claro, é outra história. 

Escrevendo aqui, acabei de lembrar de uma coisa. Um tempo atrás, esse meu amigo havia dito que queria sossegar. Achar uma garota legal, começar a namorar. Pela lista de conversas apagadas, podemos chegar a conclusão de que falta de opção não é. Transudo ele é. Trovador idem. Mas como ele poderia namorar qualquer uma da lista de contatinhos, se não tem contato com nenhuma delas? Se ele nem sabe qual daquelas gosta de flores e qual prefere chocolates. Como é que ele poderia namorar, se toda vez que conhece alguém, já adiciona naquela lista de contatinhos? Como poderia namorar, se ele nem ao menos se permite conhecer alguém? E se não permite que ninguém o conheça? 

Talvez na ânsia de aumentar sua lista de contatinhos, ele tenha perdido o contato que ele realmente queria. 

9 comentários:

  1. Gi, muito sábio o seu texto, realmente nos dias atuais nos prendemos a tecnologia e esquecemos do social mesmo, do bom dia na rua, do gesto amigo, do ato de sorrir para o próximo
    http://felicidadeemlivros.blogspot.com.br/

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  2. Oi Gi! Confesso que me identifiquei em partes no seu texto, eu tenho muitos contatos, mas converso pouco, mesmo pq não tenho paciência para grupos no whats e acho até que tenho fobia social rsrsrsrs mas namorar sem conhecer direito é difícil, superficial demais pra mim e neste ponto eu super concordo com vc!

    Como sempre excelente texto.

    Bjs, Mi

    O que tem na nossa estante

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    Respostas
    1. Oiii, Mi. Na verdade eu quis falar dos "contatinhos" hahahha Sabe? Aquelas pessoas com listas enormes de possíveis casinhos, que de casinhos não tem nada kkkk Não que eu esteja julgando, porque né? Quem sou eu. Mas ver aquela cena das conversas sendo excluídas me fez pensar em muita coisa e resolvi colocar tudo em palavras :)
      Beijooos

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  3. Olá, Gih.
    Disse tudo. Infelizmente essa é a realidade de hoje. Falta o contato sim, mas o humano. Em maio foi meu aniversário e a namorada do meu sobrinho veio com ele aqui em casa. Ela não me falou nada, então de noite colocou um textão enorme no meu face me parabenizando. Parece que as pessoas não sabem mais como conversar, só se for por redes sociais e aplicativos e isso acaba afastando em vez de unir as pessoas.

    Prefácio

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  4. Oi, Gi!
    Faz tempo que não passo aqui.
    A tecnologia tem suas vantagens, mas também tem muita desvantagem como a falta de contato humano.
    Adorei seu texto. Já tive muitos contatinhos, mas hoje em dia eu não pratico mais dessa arte hahahahahaha
    Beijos
    Balaio de Babados

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  5. Ooi lindaa!!
    Ahh, mas como isso é verdade... e não só nessa da tecnologia que ao mesmo tempo nos aproxima e nos afasta tanto, porque ficou muito fácil chegar em alguém.. mas por essas e outras coisas que justamente essa tecnologia nos trouxe: essas listas surreais de contatinhos. gentee, mas eu acho muito doido! ok, que tenhamos aquelas pessoas que gostamos de conversar e talvez ir além disso, mas não do jeito que é como se fossem todos mercadorias a serem testadas. sei lá, não gosto disso e espero nunca passar (se é que já não fui alguém apagada né..) e essa sua frase final foi perfeita! que se pode acabar perdendo alguém importante por querer ter tanta gente.. uma pena!
    beeijo

    https://lecaferouge.blogspot.com.br/

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  6. Oi Gih!
    Olha, se eu falo com três pessoas no Whatsapp já é muito... não tenho muita paciência, prefiro falar ao vivo mesmo!

    Beijos,
    Sora | Meu Jardim de Livros

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  7. Eu só acho que não "é o mal" de vocês escritores terem mania de observar, acho que esse é "o bom" de vocês, pq a gente se ocupa da vida e deixar coisas fundamentais passarem despercebidas... ai vocês chegam e bum mexem com as estruturas da nossa percepção. O que seria de mim sem meus autores observadores e problematizadores?

    Também sinto um estranhamento em ver como as pessoas constroem relações frágeis e sem substância. Esse esforço em construir contatinhos me parece uma perda tempo. Como é possível gastar tardes inteiras conversando sobre nada com pessoas que não chegam a ser alguém?!?!? Pq para uma pessoa ser alguém você tem que saber ao menos um pouco do que ela gosta e odeia, venera ou exclui...

    Eu tenho dificuldades de compreender e assimilar a forma como as pessoas conduzem suas relações, sou velha demais para contatinhos.

    Uma Pandora e sua Caixa

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  8. Olá Gih!
    Que texto maravilhoso! E realmente algo a se pensar.
    Esses dias, fui passear com meus pais no centro da cidade aqui, visitamos uns pontos turísticos e tal. Na volta, vinham umas garotas voltando da escola e uma pegou o celular da outra e ficou mandando para um monte de carinhas: Oi, tenho interesse.
    Até achei engraçado, mas vi o quanto aquilo podia ser um desespero da garota para arrumar um boy. Mas ele tava atirando para qualquer lado.
    Enfim, uma pena que hoje em dias algumas relações sejam tão superficiais assim. Espero que seu amigo repense as atitudes dele, já que quer "sossegar".
    Beijos!

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