quarta-feira, 30 de julho de 2014

MORS CERTA, HORA INCERTA

UM CONTO DE MAURÍCIO COELHO


Arte por @Diego_lurkiu
O Viajante do Tempo já havia percorrido quase todo o espaço na Terra, mas não todo o tempo, pois esse é infinito. Por ter o dom de atravessar o tempo, acreditava ser imortal. “Eu não irei morrer, pois se eu voltar ao passado, terei que permanecer vivo até o presente momento em que nasci”, mas o seu cão mecânico de última geração com aplicativos sendo atualizados constantemente era realmente uma criatura muito esperta e certa vez ao ouvir esse blá blá blá do Viajante do Tempo disse “Mas se você for para o passado, será o seu presente! Portanto, você poderá morrer!” Mas o Viajante apenas replicava “Eu não irei morrer, pois não existia há 60 anos e se eu voltar há 61 anos, terei que continuar vivo, pois aí como poderia ter nascido? Além do mais (ele começou a falar mais para si mesmo do que para o seu cão mecânico), poderei viver sempre atravessando as fissuras temporais e o Tempo não irá me atingir!” e a resposta do seu cão era sempre a mesma “Você não cansa de falar bobagens! Ora, você não conhece aquela famosa frase de um dos maiores filósofos que já habitaram o planeta Terra? A morte é certa, mas a hora é incerta!” e continuava explicando, mas ele não ouvia mais. Um dia, o Viajante arriscou-se voltando para a Terra primitiva, gostaria de observar as lavas crescentes, a formação do magma e das rochas e dos oceanos. No entanto, ao ir para o passado, não avistou nada disso. O que viu foi apenas o planeta Terra já formado, junto com os outros planetas do Sistema Solar. “Não é possível”, ele pensou. Navegou mais alguns milhões de anos atrás e a Terra ainda estava como antes – ou melhor, como atualmente. Tentou recuar no tempo uma última vez e dessa vez, não existia nada, nem uma única luz, tudo englobado pela escuridão.
De repente, do nada e absurdamente do nada, pôde escutar uma voz alta, forte, quase inumana em uma língua desconhecida. Foi quando um raio de luz viajando à quilômetros de distância cortou bem em sua direção. Olhou para baixo – se é que existe baixo e cima no espaço – e inúmeros feixes de luz surgiam em todas as direções, obrigando ao Viajante fechar os olhos. Permaneceu por um tempo assim e quando abriu os olhos novamente... lá estava a Terra. No mesmo lugar onde sempre esteve. Fixa. Com todas as estrelas, satélites e planetas postos em seus respectivos lugares. O Viajante estava rindo, um riso hienástico, mas nenhum som se ouvia naquele espaço. Voltou para o seu tempo e contou todos os vividos e expressivos detalhes que avistou, deixando até mesmo os navegadores portugueses ou espanhóis com inveja do maravilhoso relato. Se ainda existisse um Debret, ele iria estampar isso em uma pintura sem nem piscar os olhos. Foi seu próprio cachorro quem o enviou para o hospício naquela mesma noite. Nunca tinha ouvido tanta besteira antes. Certamente o Viajante perdeu o juízo no meio dessas viagens, e não poderia mais viver em sociedade. Quando o cão o visitou semanas depois, o globo ocular do Viajante estava vazio, não era possível observar nenhuma faísca orgânica ali. Os remédios eram servidos três vezes ao dia junto com suas refeições e naquele momento iria receber a segunda. O cão pulou no seu colo e encarando os seus olhos, avisou: “Eu te disse que você poderia morrer no passado...bem você não morreu, mas também não está mais vivo!” O cão deu um salto e foi embora sem nem olhar para trás. Há certas coisas que os olhos humanos não são capazes de ver. E existe um motivo para tal.

E então galerinha? O que acharam? O Maurício é autor da Editora Novo Romance e em breve lançará sua coletânea de contos.
Quem quiser conhecer um pouco mais sobre o trabalho dele, pode adicioná-lo no facebook. https://www.facebook.com/mauricioocoelho

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